A torrente ininterrupta de
denúncias, de lamentações, de comentários, imagens e notícias que
abundantemente afluem por todos os lados (sobretudo nas redes sociais),
tornou-se não apenas a rotina e o ruído ensurdecedor dos nossos dias, mas o
indisfarçável sintoma da nossa triste condição de ‘espectadores’ perante um
‘espectáculo’, o da política, do qual fomos irremediavelmente espoliados e
afastados.
Se estamos, de facto,
preocupados, e devemos estar, então devemos começar por encontrar os modos de
nos reunirmos, encontrarmos, discutirmos, nos cafés, nas escolas ou na rua, e
tentar compreender o que cada um pode realmente fazer no lugar onde está, que
ocupa, onde trabalha, onde vive. Porque o problema não é só de cortes
financeiros e de ordenados, destas medidas ou de outras, mas de modelos. E é
preciso discutir os modelos. E para haver política e participarmos nela, mais
do que denúncia, tem de haver partilha, encontro e debate.
O que continuo sem compreender (e
isto será um apelo ou um lamento?) é onde estão as Universidades e todos os
investigadores e toda a produção intelectual? Como é que, perante isto tudo, não
há o mais leve rumor de um movimento universitário amplo e organizado
(estudantes, professores, investigadores) de crítica e de debate perante um
modelo ideológico cujo horizonte não está apenas em reduzir-nos à miséria
financeira, mas à penúria intelectual e cultural, em reduzir as escolas a
fábricas de produção de mão-de-obra barata e rápida. E o mais miserável é a
apatia que grassa por todos estes cantos, a facilidade com que sucumbimos, no
final, ao feitiço interminável dos aparatos que, todos os dias, nos conduzem ou
para a indolência ou para o deslumbramento: e que vão desde os ‘media’ a esses
intermináveis congressos de investigadores – onde a necessidade do 'científico'
suplanta todo o imperativo político, mesmo em áreas disciplinares cuja natureza
é irremediavelmente política.
O problema é que no actual estado
de coisas, já não podemos passar simplesmente do lamento do comentário para a
apatia, ou ir à manifestação das 17h e às 22h ir ao futebol ou ao festival de
música. A máquina do prazer e do entretenimento, da qual somos parte, estará
sempre aí, decidida a distrair-nos e a fazer-nos esquecer…até a um certo dia, e
esse dia não estará assim tão longe, e pode ser o dia não da libertação, mas
daquilo que muitos não esperariam voltar a ver repetir-se – o Fascismo. Como
disse Thomas Mann (como lembra Rob Riemen), o Fascismo, quando vier, virá
sempre em nome de uma outra coisa, e talvez seja em nome da Liberdade. Walter
Benjamin, leitor atento de Marx, legou-nos, já sob a sombra negra da ascensão
fulgurante do Nazismo, algumas reflexões preciosas, que talvez fosse útil não
esquecer:
«O conformismo que desde sempre foi apanágio
da social-democracia prende-se não apenas com a sua táctica política, mas
também com as suas ideias económicas. E está na origem da sua derrocada recente.
Nada corrompeu mais as classes trabalhadoras alemãs do que a ideia de que elas
estavam integradas na corrente dominante (…). A velha moral protestante do
trabalho, agora em forma secularizada, comemorava com os trabalhadores alemães
a sua ressurreição (…). Antevendo coisas terríveis, Marx respondera já que o
ser humano que não possua outra riqueza a não ser a força do trabalho “será
necessariamente escravo de outros seres humanos, os que se transformaram em
proprietários”.»
«Marx diz que as revoluções são as
locomotivas da história. Mas talvez as coisas não se passem nada assim. Pode
ser que as revoluções sejam, para o género humano que viaja nesse comboio, o
gesto de puxar o travão de emergência.»